
Cemitério de Elefantes
May 02, 2025
Tempo de leitura: 7 minutos
Introdução
A recente aposentadoria de James Gosling, o lendário criador do Java, acendeu um debate crucial: qual o verdadeiro destino dos profissionais técnicos após décadas de carreira? Será que a única saída é virar gerente ou existe vida — e reconhecimento — para quem escolhe permanecer na linha de frente do código?
Neste artigo, vamos explorar:
- 🏛️ O mito do cemitério de elefantes: uma metáfora poderosa para nossa carreira
- 👨💻 A trajetória de Gosling e o que ela revela sobre valorização técnica
- 🛤️ Os caminhos (muitas vezes ocultos) além do título de “Sênior”
- 💎 Por que sua experiência vale mais do que você imagina
Prepare-se para desafiar crenças limitantes e descobrir que, ao contrário dos elefantes da lenda, profissionais experientes não precisam desaparecer.
A Lenda
Sob o manto prateado da lua, a savana se transformava e as sombras da noite dançavam sobre a terra silenciosa. Simba, ainda um jovem príncipe, sentia seu coração pulando no peito, movido por uma curiosidade incontrolável e uma centelha de ousadia juvenil. Ele ouvira sussurros sobre um certo “Cemitério de Elefantes”, um lugar que adultos tratavam com relutante respeito e temor. Com passos incertos, todavia, determinados, Simba cruzou a fronteira invisível, onde a grama macia dava lugar a um solo árido e coberto de ossadas antigas: o temido cemitério de elefantes.
Quem já viu o filme O Rei Leão certamente se lembra do temeroso Cemitério de Elefantes, um lugar envolto em mistério e temor. É lá que o jovem Simba, movido por uma curiosidade irresistível, decide explorar além das fronteiras seguras que sempre conheceu1. À medida que ele se aventura nesse reino de sombras, um ambiente nascido de silêncio e magia, onde grandes ossadas de elefantes se erguem como monumentos de uma era há muito passada.
O cemitério, mais do que um mero destino, transforma-se em um campo de provas pessoal, onde coragem e introspecção se misturam. É nesse lugar inóspito que Simba começa sua transformação, entre a poeira dos antepassados e o céu amplo da savana, em um espaço onde cada ossada conta uma história, cada sombra guarda uma lição.
A verdade por trás do Mito
Caso você nunca tenha ouvido falar, o Cemitério de Elefantes é uma lenda que sugere que os elefantes quando percebem que estão chegando ao fim de suas vidas, afastam-se do grupo e procuram um lugar isolado para morrer. O mito foi popularizado pela primeira vez em filmes como Trader Horn (1931) e nos filmes da MGM sobre Tarzan (1932-1948). Nessas histórias, grupos de exploradores gananciosos tentam encontrar um cemitério de elefantes, localizado na fictícia Escarpa Mutia, para coletar as valiosas presas de marfim2.
Mas sejamos sinceros, a ideia de que elefantes viajam para um local específico para morrer não é nem de longe verdadeira. Na realidade, os grandes acúmulos de ossos podem ser explicados mais por mortes em massa causadas por doenças do que por um hábito da espécie. No entanto, os elefantes demonstram um interesse genuíno por restos mortais da própria espécie, comportamento raro no reino animal. Estudos demonstraram que esse comportamento indica uma forte conexão social e emocional com seus mortos, contudo, não há evidências de que eles escolham um local específico para morrer, descartando a ideia de um “cemitério de elefantes”3.
Motivação
Seria de fato fascinante que elefantes idosos, ao perceberem a aproximação da morte, procurassem um lugar isolado, longe dos olhos dos outros animais, para repousar em paz. Embora a história não passe de um mito, ela carrega uma forte carga simbólica: a busca por um lugar onde se possa encerrar um ciclo de forma digna e significativa.
O meu interesse nessa história não é em vão. Surgiu no chat da empresa em que
trabalho, quando foi anunciada a aposentadoria de James Gosling4, conhecido
como o “pai do Java”, um dos autores da classe
Date. Nessa
thread, quando todos falavam das reais contribuições de Gosling, a minha
resposta ao post foi “Feliz em saber que desenvolvedor aposenta. Achava que
todos virariam gerentes.” Essa frase, que muitos diriam em tom de alívio ou
ironia, ecoa um sentimento comum no universo da tecnologia: a percepção de que
a única alternativa para o crescimento na carreira seria a transição para a
gestão.
A frase pode ser interpretada de diferentes maneiras. Alguns podem enxergar como uma ironia, já que a maioria dos profissionais de TI, ao atingir uma certa idade, são incentivados a deixar de lado a atuação técnica e assumir cargos de liderança. No entanto, essa frase também pode ser vista como uma crítica ao fato de que muitos profissionais de desenvolvimento acabam deixando de lado sua paixão pela programação para se tornarem gestores. Isso nos leva à reflexão: desenvolvedores podem realmente se aposentar enquanto permanecem em sua essência técnica ou a progressão natural é migrar para a gestão?
Para o Sênior e Além
A verdade é que a carreira de desenvolvimento oferece diversas oportunidades para aqueles que desejam continuar atuando de forma técnica, mesmo com o passar dos anos. O conceito de carreira em Y possibilita que profissionais sêniores escolham entre duas trajetórias principais: a gestão de pessoas e processos ou a excelência técnica. Essas duas perspectivas complementares ajudam a entender as próximas etapas na carreira de desenvolvimento.
As discussões sobre carreiras em engenharia de software revelam um consenso: a posição de Sênior não é um ponto final, mas sim o início de múltiplas jornadas profissionais5. Como destacado por Will Larson no livro Staff Engineer6 e Mai-Lan Bukovec7, profissionais em níveis como Principal Engineer enfrentam o desafio de priorizar seu impacto. Ambos apresentam frameworks de papéis para posições para além de sênior. Larson propõe arquétipos como Tech Lead, Architect, Solver e Right Hand. Por outro lado, Bukovec descreve funções como Sponsor, Catalyst e Tie Breaker. Essas estruturas não são rígidas, mas servem como guias para reflexão sobre gestão de tempo e evolução técnica.
Muitos desenvolvedores sentem-se pressionados a abandonar a atuação técnica, como se o único caminho possível fosse migrar para a gestão. Mas será que essa é a única opção? Para quem busca crescimento para além do nível sênior, existem três trilhas principais:
- IC (Individual Contributor): Ideal para quem ama detalhes técnicos, mentoria e especialização (ex.: Staff/Principal Engineer)
- Gestão: Para generalistas focados em alinhamento de equipes, processos e comunicação (ex.: Engineering Manager).
- Arquitetura: Combina visão macro com profundidade técnica, planejando soluções de longo prazo (ex.: Software Architect).
Por que isso importa? Como relatado por Bukovec, a falta de clareza sobre esses caminhos pode levar à estagnação. Essa situação pode ser comparada à lenda do cemitério de elefantes, onde, sem uma direção ou propósito claro, profissionais podem acabar se isolando em suas carreiras, como um elefante que procura um local solitário para morrer. Assim como o elefante que se afasta do grupo por medo, por um sentimento de defasagem, etc., um profissional sem clareza pode tomar decisões que o deixem estagnado ou mesmo o levem ao declínio profissional, sem contribuir para o crescimento pessoal ou para a evolução de sua carreira.
Um caminho cheio de possibilidades
A lenda do cemitério de elefantes nos serve como uma metáfora poderosa, mas não como um destino inevitável. O mercado de tecnologia está evoluindo e oferece uma variedade de opções que permitem aos profissionais se manterem ativos, influentes e realizados, seja como gestores ou técnicos. A história de James Gosling é um lembrete poderoso de que há vida (e impacto) além da transição para a gestão. Sob esse prisma, as diferentes possibilidades de carreira nos ensinam que:
- Escolhas conscientes são fundamentais: Cada profissional deve refletir sobre o que realmente o motiva e o faz feliz
- A experiência técnica tem valor: Empresas precisam criar estruturas que valorizem e recompensem a excelência técnica
- A paixão pela programação não tem idade: É possível continuar aprendendo, criando e impactando em qualquer fase da carreira
- Diversidade de caminhos é essencial: O mercado precisa de bons gestores, mas também de excelentes técnicos
Por fim, definir uma direção — mesmo que provisória — aumenta motivação e chances de sucesso. A mensagem central é: explore, experimente e adapte-se. Sua trajetória não precisa ser linear, mas consciente. E você? Já refletiu sobre esses papéis ou caminhos? Compartilhe suas experiências nos comentários!
Agradecimento
Agradeço especialmente a Andreza Vieira e a Lorena Vieira pela ajuda na revisão deste texto.
Referências
Written by Vagner Clementino. Follow me on Twitter