
Sobre Nomes
December 15, 2024
Tempo de leitura: 5 minutos
Origens
Meu nome é Vagner, sou filho de uma mineira com um italiano, ou talvez baiano… Para ser honesto eu sempre me confundo pois são tão poucas as sílabas de diferença. Gentílicos à parte, caso você tenha lido um artigo, assistido a uma palestra ou recebido um e-mail meu, deve ter percebido que eu assino com Vagner Clementino. No entanto, meu nome de registro é Vagner Clementino, dos Santos, “e por que não dos orixás também?”1. E a partir dessa última frase não dá para negar a minha origem baiana. E sejamos honestos, como um afro-brasileiro, a determinação das minhas origens é tão frágil quanto acreditar em meritocracia.
No início, o sobrenome “Clementino” não me agradava: achava estranho e um tanto quanto incomum. Meu desconforto aumentou quando, em 1996, foi lançado um clássico do cancioneiro brasileiro conhecido como “Florentina”, escrito e interpretado por Francisco Everardo Oliveira Silva, também conhecido como Tiririca2.
Se você está se questionando qual é a relação entre a discografia do Tiririca e o meu nome, bem-vindo ao clube, pois é algo que eu me questiono desde então. Não sei se por sorte, destino ou delírio coletivo, as pessoas relacionam o refrão da música “Florentina” com o meu sobrenome. Por favor, acreditem em mim, inúmeras vezes, ao dizer o meu nome, eu era surpreendido com “🎵Clementino, Clementino, Clementino de Jesus (…)”, desde em encontros sociais ou mesmo em recepções de hotel.
Por essas e muitas outras razões, passei a assinar como Vagner Santos e me tornei mais um na multidão de pessoas da família ‘Santos’ brasileira. Seja Sílvio, Lulu ou Alberto, são vários os ‘Santos’ deste país, tantos que em novembro temos um dia dedicado a todos eles.
E desde então carrego essa dúvida: deveria ser Santo(s), disputando uma improvável devoção na multidão, ou Clementino, e viver ignorando as pessoas cantando refrões de qualidade duvidosa? Como foi dito no primeiro parágrafo, optei por Clementino, mas sigo com as bênçãos dos Santos e dos Orixás.
Carreira
Eu concluí o Ensino Médio com louvor: professores e funcionários louvaram aos anjos e santos por eu não precisar frequentar a escola no próximo ano. Naquela época, a única certeza que eu tinha era a de estar perdido. Meu plano era apenas conseguir um emprego e não ter uma profissão. Passar no vestibular e fazer um curso superior eram símbolos sem significado para mim.
E naqueles longos meses após o término do Ensino Médio, o desejo era de mudar o mundo através da arte. Quem saber ser um escritor ou mesmo participar de uma banda de punk rock. Eram sonhos de uma formiga que, mesmo sabendo cantar, teve que trabalhar diante da inevitável chegada do inverno da vida adulta. E assim, fui destilar minha arte como operador de telemarketing, meu primeiro trabalho registrado, que me proporcionou os recursos necessários para o próximo passo: um curso superior.
As pessoas me diziam sobre uma facilidade natural em ensinar, especialmente Matemática. Então, por lógica, fazia sentido que eu tentasse algum curso de licenciatura na Ciência do Rigor. Para ser sincero, eu não tinha muita certeza de qual carreira eu gostaria de seguir, mas o requisito era que o curso fosse gratuito. Com livros emprestados e estudando por conta própria, consegui passar na primeira etapa da Universidade Federal de Minas Gerais3. Foi tão impressionante quanto qualquer exceção que comprova uma regra.
O talvez se transforma em certeza para quem nunca teve oportunidades. Apesar de não ter conseguido passar no vestibular estudando por conta própria, entendia que aquilo estava muito mais próximo do que nunca. No próximo ano, eu tinha conseguido entrar na graduação em Matemática. A partir daquele momento, o plano era que em pouco tempo eu estaria recebendo o título de professor.
A vida é feita muito mais de “poréns”, “todavias” e “entretantos” do que de linearidades. Com o passar dos dias, eu me via cada vez mais interessado em Computação. Talvez por ter conseguido meu primeiro computador aos 20 e poucos anos, ou ainda pela habilidade que eu tinha de formatá-lo rapidamente a cada software com vírus que eu baixava, para evitar brigas com meu irmão mais velho, que comprou o computador junto comigo. Motivos à parte, consegui alterar minha graduação para Sistemas de Informação e, se tudo desse certo, em alguns anos receberia o título de “desenvolvedor”, “programador”, “menino do computador” e assim por diante.
Títulos
Entre idas e vindas, o tão sonhado título chegou: Bacharel em Sistemas de Informação, seguido pelo de Mestre em Ciência da Computação. No âmbito profissional, embora não acadêmico, o tempo me conferiu os títulos de desenvolvedor pleno, sênior, Tech Leader e Staff Engineering. Essas conquistas foram fruto de muito esforço e dedicação, e me permitiram ascender a posições de destaque e liderança em minha área de atuação. Porém, foram apenas títulos, algo para ser colocado em um quadro na parede ou descrito em um currículo, contudo, nunca algo que seja capaz de nos resumir.
Sobre Nomes
Nomes e/ou sobrenomes dão às pessoas o sentimento de pertencimento ou origem, e em alguns casos até mesmo de liberdade e recomeço, como no caso dos nomes sociais. Mas, em essência, os nomes existem para nos diferenciar, nos conceder um papel e nunca para nos resumir. Sejam os nomes que já tive (marido, amigo, irmão, filho, tio, padrinho, colega, desenvolvedor ou professor) ou aqueles que por ventura ainda terei (pai, avó ou doutor), serão apenas recortes de algo que é muito maior que é a nossa própria existência.
Acredito que é importante lembrar que somos muito mais do que nossos nomes e rótulos, somos seres em constante transformação e evolução, e não devemos nos limitar ou nos definir apenas por essas identificações. É preciso olhar para além dos rótulos e enxergar a complexidade e singularidade de cada indivíduo.
Em resumo, nomes e rótulos são importantes para nos identificar e nos diferenciar, mas não devem nos limitar ou definir completamente.
Referências
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Vestibular da UFMG. Antes da adoção do Enem como forma de ingresso na UFMG, o vestibular era composto por duas etapas: a primeira etapa consistia em uma prova de múltipla escolha abrangendo várias disciplinas, e a segunda etapa era composta por provas discursivas específicas de acordo com o curso escolhido. Os candidatos precisavam ser aprovados nas duas etapas para conseguir uma vaga na universidade. ↩
Written by Vagner Clementino. Follow me on Twitter